crônicas da periferia

houve um tempo em que podíamos sair de casa e nos locomover pela cidade. esse texto se passa nessa outra realidade.

quem mora na periferia e era criança no fim dos anos 90, começo dos anos 2000 vai saber do que eu to falando. o surgimento do transporte clandestino, normalmente entre pequenas distâncias entre bairros próximos: a famosa perua. de lá pra cá muita coisa mudou, e as peruas acabaram sendo incorporadas ao transporte oficial da cidade, regularizadas e chamadas de lotação, mas pra mim não tem jeito de chamar de outra coisa.

pois bem, aqui na minha rua que é quase um quilômetro da avenida principal, passam duas: terminal santo amaro e conceição. de tempos em tempos (tipo 10 anos risos) ocorre uma troca de frota e a última novidade por essas bandas foram as peruas com ar-condicionado e usb, seguindo a tendência dos ônibus maiores. o que à primeira vista parece ótimo, mas pra mim só funciona no verão visto que o paulistano que não pode ver marcar dezoito graus já coloca um casaco daqueles de pelinho no capuz e uma bota também é o paulistano que resolve colocar ar quente num transporte público que tem lotação máxima de 50 pessoas e vai aproximadamente 4 vezes mais cheio. pense.

mas esse texto não é sobre isso. a questão é que tem acontecido um outro fenômeno chamado “quebrou um carro”. virou tipo um mote dos motoristas. atrasou? quebrou um carro. muito cheio? quebrou um carro. não vai ter mais perua no ponto final mesmo sendo 00h30 e o horário oficial da última ser 00h50? é porque quebrou um carro.

o pior mesmo é quando você está dentro do carro que quebra. você tá lá, feliz que conseguiu um lugar pra sentar, que está calor mas tem ar-condicionado, e de repente vai ficando mais lento, e nem é ponto ainda, e aí para. sai o motorista, abre um negócio, aperta um botão, tenta virar a chave, e os passageiros vão ficando tensos se olhando e sempre tem aquele mais ousado que resolve perguntar “quebrou, motorista?” e o motorista que a essas horas já está mandando mensagem no zap pros colegas motoristas avisarem pra todo mundo que tá liberado usar “quebrou um carro” pra justificar o porquê de estar muito cheio, demorado, etc., só abre a porta de trás e avisa “tem que descer todo mundo e esperar o próximo”. é a morte.

uns tempos atrás foi uma semana direto. um dia, depois de ir ao mercado e estar com sacolas pesadas esperando há uns 20 minutos no ponto final lá vem vindo uma perua. chega no ponto, nem abre a porta e diante da cara de desespero a fiscal responde “esse aí quebrou, vai ser recolhido pra garagem”. dois dias depois no ponto atrasada pra ir trabalhar, passa a perua lotada e não para e quinze minutos depois passa outra que mal dá pra entrar, o motorista avisa “gente, um passinho pro fundo vamo colaborar porque quebrou um carro”, alguns dias depois a cena do parágrafo anterior acontece.

já dá pra pedir música no fantástico.

acho que vou incorporar pra vida essa frase. toda vez que algo der meio errado vou falar “ah gente, vocês sabem como é quebrou um carro”.

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