uma volta tímida

eu passei algumas horas dessa noite lendo. mas não a biografia do Marighella que eu finalmente tirei da pilha, ou o romance longuíssimo que to tentando avançar lendo no kindle sem muito sucesso por enquanto, mas posts e emails.

indo atrás de um texto meu que eu gosto muito, acabei me perdendo pelos labirintos de trocas de mensagens no arquivo do gmail, posts no blog do Will (esses não atrás de um texto meu, mas que foram o início desse puxar de novelo todo), e posts antigos meus aqui neste blog tão empoeirado.

eu até achei o que procurava, mas aí nem importava mais porque as descobertas e respostas que encontrei nesse labirinto que caí foram bem mais interessantes.

esses dias falei pra alguém que pensava muito sobre tudo e ela se surpreendeu porque sempre me achou uma pessoa prática, nas palavras dela “aquela que vai e resolve as coisas”; isso prova que eu consigo disfarçar muito bem minhas inseguranças e falta de traquejo nesse mundo, e também que ela nunca leu meu blog (99% das pessoas que eu conheço não leram, então não é de se espantar).

achei uma outra eu que se parece muito com essa eu de agora. achei mensagens cafonas e textos doídos. achei amor, falta, tristeza, vazio, mas também esperança e afeto, acolhimento.

nessa semana conversei muito com alguém que sofreu uma perda recentemente. falamos sobre empatia, se colocar no lugar do outro e como é no momento mais difícil, no meio do deserto e na hora da dor profunda é que realmente sabemos quem tá com a gente nessa vida. hoje, depois de quase um ano ela me disse que foi muito ruim essa descoberta, mas que por um lado também foi bom porque ela consegue ver com mais clareza quem são as pessoas, que apesar de algumas decepções ela também teve muitas surpresas de mãos que ela nem imaginava e que se estenderam.

são dois anos de pandemia, e assim como ela, claro que de uma forma bem diferente, nenhum de nós vai ser o mesmo.

eu nem ia falar nada disso na real. mas espero voltar aqui mais vezes esse ano. tirar o pó, dar uma arrumada na casa e seguir tentando dar sentido a esse turbilhão invisível que levo dentro do peito por meio das palavras.

solidão

acho que já falei sobre esse assunto aqui.

mas já faz algum tempo, e desde então muita coisa aconteceu, inclusive 2020.

em um tempo em que o isolamento foi (e ainda é) praticamente a única forma de se proteger contra um vírus mortal (embora as pessoas escolham conscientemente ignorar isso), as minhas reflexões sobre solidão só se multiplicaram.

eu sinto que isso também é fruto de processos internos, de estar mais perto dos quarenta do que dos vinte, de acompanhar de perto o envelhecimento da minha mãe. mas parece que esse assunto tem vindo à tona com bastante frequência nas últimas semanas.

logo no começo de janeiro escolhi minhas leituras e incluí despretensiosamente um livro de cartas do Caio Fernando Abreu, e essa leitura me tomou de uma forma que terminei em dez dias as quase quinhentas páginas e terminei querendo mais. uma das coisas que me chamaram a atenção foi exatamente a percepção da solidão que perpassa todas as missivas enviadas por ele que foram resgatadas nessa obra; até mandei vários podcasts pro will contando sobre isso. como alguém com tantos amigos/conhecidos/colegas de profissão, envolvido em muitos trabalhos, principalmente a partir dos 20 anos quando muda pra São Paulo, falava tão abertamente sobre como se sentia só.

também assistimos a uma série norueguesa que, apesar do título, é bem boa: namorado de natal. e, aí o foco era na protagonista tentando encontrar alguém pra conseguir calar um pouco a família e amigos que, “por afeto e cuidado”, ficam no pé dela pra arranjar um namorado. sem muitas delongas sobre esse plot, em um dos últimos episódios os pais dela tem uma conversa sobre seu relacionamento e a conversa termina com a frase “não queria ficar sozinho”.

o medo da solidão é universal. mas o fato é que não há garantias. mesmo dentro do modelo patriarcal de família, seja ela heteronormativa ou não, com filhos ou não. e me incomoda demais o fato de que a estrutura de sociedade que nós temos só traz uma possibilidade de preenchimento dessa solidão por meio de relacionamentos e relações românticas, mas isso é outro texto.

eu sempre fui alguém que almejava preencher meus momentos solitários, que nunca gostou de fazer coisas sozinha. influenciada e bombardeada constantemente por esse desespero que as pessoas ao meu redor tinham de casar logo e o receio de “ficar sozinhas”, sofri muito por não fazer parte, mais uma vez, do padrão estabelecido. com o tempo, e com a presença de pessoas incríveis na minha vida, fui vendo que não é bem assim.

hoje eu penso que, como diz uma personagem da série, solidão não é estar solitária, e que a gente sofre muito menos e vive melhor quando entende que é uma condição inerente a nós, a solidão, e que não é uma coisa ruim ou algo a se temer. o processo de gostar da própria companhia e curtir as boas coisas da vida consigo mesmo também ajuda a entender que tá tudo bem.

cultivar as relações a partir desse lugar talvez possa nos ajudar a cair menos em ciladas por carência ou se acomodar em lugares que não estão legais só pelo medo de estar sozinhos. nesse ano em que não pude nem estar com muita gente, tampouco sozinha já que presa em casa, me fez valorizar mais a minha liberdade e os meus momentos de solidão, ao mesmo tempo em que tive tanta presença, apoio e carinho, mesmo que de longe, o que me fez também valorizar os momentos incríveis que temos quando pudermos estar juntos fisicamente. Amós Oz dizia que a nossa missão no mundo é não causar sofrimento, e é tudo o que eu desejo, não só pra aqueles que estão ao meu redor, mas principalmente pra mim mesma.

O ó

“É daí que brota tanta ignorância, já entendi as faltas de educação. E essa mania de gostar de violência, agora tudo apresenta explicação. (…) Quem não estuda, quem não lê, quem não procura, quem não corre atrás de se informar. É obrigado a acreditar no que lhe contam, e um cabra assim é um cabra fácil de enganar”.

Ano passado tive o privilégio de assistir “O Mágico di Ó”, um espetáculo musical muito bom que faz uma releitura da clássica história de Dorothy e seus sapatinhos vermelhos andando por um reino encantado atrás do mágico que poderá ajudá-la a voltar pra casa. Um dos paralelos feitos é o espantalho, que na versão brasileira virou um mamulengo, um boneco típico da cultura do Nordeste do país.

Assim como sua contraparte estrangeira, o mamulengo não tem cérebro, o que incomoda mais aos outros do que ao próprio, que se autodenomina o maior mamulengo da região, se acha muito esperto e acredita que todo mundo foi embora do sertão por medo dele. Daí que a protagonista, aqui denominada Doroteia, ao encontra-lo se incomoda a princípio com essas características, até descobrir que lhe falta um cérebro e que sua cabeça é preenchida por palha, e proferir os versos que abrem esse texto.

Em uma conversa que tive ontem com o Will, disse pra ele que desde 2018 o que mais me incomoda e revolta diante do resultado das eleições é um “como”. Como as pessoas compraram esse candidato? Gente que se considera tão inteligente, informada, caiu nessa narrativa vazia. Porque, apesar de discordar, consigo entender (com certo esforço) como alguém vota no PSDB, por exemplo.

Eles têm um plano de governo, prometem construir hospitais e creches, tem uma postura que passa uma certa confiança; não se analisa aqui, obviamente, a eficácia de seus projetos, ou melhor, a ineficácia deles. As pessoas se sentem bem votando neles, seja porque se veem representadas, no caso da classe média-alta, ou veem nessas figuras brancas com ternos caros e postura correta uma aspiração, uma meta.

Agora, qual o plano do você-sabe-quem? Qual o programa de governo? O cara não tinha nada. Só umas pautas vazias, moinhos de vento. Nada. Só violência, ódio, truculência.

Estamos sendo governados pelo próprio mamulengo. Com todo o respeito à cultura nordestina. E quem votou nele não tá muito atrás.

E aí que a gente já conhece a história e sabe que também não tem mágico, nem mágica, pra ajudar. E se na ficção o final é feliz, na vida real a gente tem que ser as nossas próprias Doroteias e sonhar com outros mundos possíveis, e fazer o possível para torna-los realidade.

um post-resposta ou medo de panela de pressão

eu, como a criança muito curiosa que fui, sempre quis aprender a cozinhar. depois da fase “brincar com água é divertido”, eu passei a me interessar mais por sujar panelas do que em lavá-las.

e quando eu tinha lá meus nove, dez anos, minha mãe começou a me ensinar a fazer as coisas mais básicas e simples do dia a dia, principalmente arroz e café, e logo também passei a fazer feijão, e com isso usar a tão temida panela de pressão.

me lembro que muito antes, provavelmente quando eu tinha uns seis anos, um dia rolou uma explosão de panela de pressão em casa. talvez a minha avó ou minha mãe não tiraram a pressão suficientemente bem da panela, e a tampa voou, foi parar feijão no teto e até eu me mudar daquela casa aos 21 ainda dava pra ver as marcas. não aconteceu nada grave com ninguém, mas acho que por isso nunca tive medo. deve ter ficado marcado no meu inconsciente, tipo “é isso que acontece e nem é nada demais” (é claro que tem histórias piores, mas falo da minha experiência).

o fato é que desde que aprendi a usá-la não parei mais, até porque além de produzir um dos meus alimentos preferidos da vida, o feijão, é muito mais rápido fazer uma série de coisas, seja uma batata pro purê, um peito de frango pra desfiar ou mesmo uma mandioca pra fritar depois.

como a entusiasta que sou, depois que vi o post do will muito maravilhoso falando sobre feijão, lembrei dessas passagens da minha vida. aliás, sou grande incentivadora das suas aventuras culinárias.

daria pra aplicar pra vida assim. esse medo todo de algo que nem é tudo isso é o que te impede de comer um feijãozinho fresquinho delicioso no almoço ou de fazer a sua vida mais fácil? às vezes, né.

a volta

faz tanto tempo que eu não venho aqui que até o aplicativo se desativou no celular. a vontade de escrever vem em ondas como o mar, mas o cotidiano e a preguiça, às vezes, fazem com que essa tarefinha que nem é uma tarefa, visto que é uma atividade extremamente prazeirosa, continue ficando pra escanteio. tem também o bom e velho momento de achar que todas as minhas boas ideias não se concretizam na execução e saem textos bem mais ou menos, como provavelmente esse.

mas, se cheguei até aqui, vou continuar (espero que isso estimule vocês meus muitos leitores a prosseguirem comigo nesses exíguos parágrafos a seguir).

a quarentena, o isolamento, que nem é real porque nada nesse país é sério ou funcional, cobra um preço muito alto. dia 15 de março foi a última vez que peguei o metrô, que fui a uma distância de mais de 2 kilômetros de casa, a última vez que vi uma peça, a última vez que abracei o will, que eu o vi pessoalmente.

me sinto numa daquelas narrativas de “se ela soubesse que era a última vez…”. teria ficado mais tempo na rua, teria ido comer no mcdonald’s e assistido “kintsugi”, aproveitado melhor o tempo, dado mais abraços, prolongado esses abraços a mais? e na última vez que fomos beber, teria tomado mais uns litrões, procurado outro bar depois que aquele fechou, passado na liberdade, saído mais cedo, aproveitado a rua, teria andado até os pés cansarem? sabendo que aquela segunda semana de março foi cheia de últimos será que eu teria vivido do mesmo jeito?

eu estou exausta. e-xaus-ta.

eu nem sei mais o que escrever, e é por isso que eu não escrevo. porque nada parece fazer sentido. os dias são todos iguais e há três meses eu durmo e acordo com medo. e com saudades. eu sonho com meus lugares preferidos, com a minha vida de antes e acordo pra um grande pesadelo.

e depois de três meses pela primeira vez eu chorei. de raiva, de medo, de frustração, de desesperança, de cansaço e saudades.

exausta.

e é isso.

crônicas da periferia

houve um tempo em que podíamos sair de casa e nos locomover pela cidade. esse texto se passa nessa outra realidade.

quem mora na periferia e era criança no fim dos anos 90, começo dos anos 2000 vai saber do que eu to falando. o surgimento do transporte clandestino, normalmente entre pequenas distâncias entre bairros próximos: a famosa perua. de lá pra cá muita coisa mudou, e as peruas acabaram sendo incorporadas ao transporte oficial da cidade, regularizadas e chamadas de lotação, mas pra mim não tem jeito de chamar de outra coisa.

pois bem, aqui na minha rua que é quase um quilômetro da avenida principal, passam duas: terminal santo amaro e conceição. de tempos em tempos (tipo 10 anos risos) ocorre uma troca de frota e a última novidade por essas bandas foram as peruas com ar-condicionado e usb, seguindo a tendência dos ônibus maiores. o que à primeira vista parece ótimo, mas pra mim só funciona no verão visto que o paulistano que não pode ver marcar dezoito graus já coloca um casaco daqueles de pelinho no capuz e uma bota também é o paulistano que resolve colocar ar quente num transporte público que tem lotação máxima de 50 pessoas e vai aproximadamente 4 vezes mais cheio. pense.

mas esse texto não é sobre isso. a questão é que tem acontecido um outro fenômeno chamado “quebrou um carro”. virou tipo um mote dos motoristas. atrasou? quebrou um carro. muito cheio? quebrou um carro. não vai ter mais perua no ponto final mesmo sendo 00h30 e o horário oficial da última ser 00h50? é porque quebrou um carro.

o pior mesmo é quando você está dentro do carro que quebra. você tá lá, feliz que conseguiu um lugar pra sentar, que está calor mas tem ar-condicionado, e de repente vai ficando mais lento, e nem é ponto ainda, e aí para. sai o motorista, abre um negócio, aperta um botão, tenta virar a chave, e os passageiros vão ficando tensos se olhando e sempre tem aquele mais ousado que resolve perguntar “quebrou, motorista?” e o motorista que a essas horas já está mandando mensagem no zap pros colegas motoristas avisarem pra todo mundo que tá liberado usar “quebrou um carro” pra justificar o porquê de estar muito cheio, demorado, etc., só abre a porta de trás e avisa “tem que descer todo mundo e esperar o próximo”. é a morte.

uns tempos atrás foi uma semana direto. um dia, depois de ir ao mercado e estar com sacolas pesadas esperando há uns 20 minutos no ponto final lá vem vindo uma perua. chega no ponto, nem abre a porta e diante da cara de desespero a fiscal responde “esse aí quebrou, vai ser recolhido pra garagem”. dois dias depois no ponto atrasada pra ir trabalhar, passa a perua lotada e não para e quinze minutos depois passa outra que mal dá pra entrar, o motorista avisa “gente, um passinho pro fundo vamo colaborar porque quebrou um carro”, alguns dias depois a cena do parágrafo anterior acontece.

já dá pra pedir música no fantástico.

acho que vou incorporar pra vida essa frase. toda vez que algo der meio errado vou falar “ah gente, vocês sabem como é quebrou um carro”.

dia dez de quarentena

agora meu mundo é uma janela.

dos pequenos desejos que parecem bobos para os outros, eu sempre quis ter uma janela.

na casa em que morei até os 21 anos, as únicas janelas representavam perigo. muitas pedras entraram por elas, jogadas por gente que passava na rua, até o momento em que uma grade foi instalada, e assim até podia-se abri-las mas só durante o dia.

eu sempre sonhei com o dia em que poderia olhar por uma janela sem medo.

há dez anos eu posso. posso até dormir com ela aberta quando está calor. um luxo.

hoje, sentada em frente a esse retângulo que me deixa ver o céu e sentir a brisa mansa da noite, penso que isso também é um privilégio.

e que apesar de tudo estar tão difícil agora, esse momento vai passar. e eu vou poder voltar a experienciar o mundo. mas, por enquanto, eu fico aqui na minha janela.

o silêncio ensurdecedor de quem não tem nada a dizer

(tinha escrito esse texto num dia péssimo, puta da vida. salvei pra postar depois. ou achei que salvei. vou tentar reproduzi-lo, agora sem a força da raiva anterior, mas ainda assim com a indignação latente).

muito radical. canceladora. intransigente. termos que foram dirigidos a mim em vários momentos nos últimos tempos.

depois das últimas eleições ouvi muito que eu estava sendo radical demais, só por achar indesculpável a escolha pela extrema-direita. por um cara que prega o ódio e defende torturadores. não quero ver, não quero saber, não me interessa. ponto. se arrependeu? ótimo, mas as consequências da sua decisão muito difícil (que na verdade foi bem fácil, bem sabemos) estão aí e continuarão por muito tempo ainda. seja melhor e não espere empatia ou simpatia vindas de mim.

mas isso é só um exemplo.

também sou chamada assim quando falo sobre homens. comportamentos babacas não me descem. principalmente vindos de gente que tem tudo pra não tê-los. conhecimento, diploma, carga de leitura, participação em movimentos. o que quer que seja. ah eu sei que nem todo homem, mas se você é o iluminado que não é babaca, espalhe a palavra pros seus amiguinhos.

prestes a completar meus 31 anos eu só não tenho mais vontade e/ou disposição pra certo tipo de comportamento. passei grande parte da vida justificando atitudes, aguentando coisas que não deveria. pela vontade de ser querida por eles, de pertencer, fazer parte. não mais. ah, tudo bem se ele me trata mal na frente dos outros porque quando estamos só nós dois ele é carinhoso e conta comigo. tudo bem que por mensagem ele é ótimo, mas inventa as desculpas mais esfarrapadas do mundo quando pergunto quando vamos sair. tudo bem que ele some. ele deve estar num dia ruim, deve ser o jeito dele, se vocês conhecessem como eu conheço saberiam o porquê de eu gostar tanto dele. ele é incompreendido. está numa fase difícil. é muito novo. é mais velho e esse é o jeito dele mesmo vou fazer o que? eu que crio muitas expectativas. preciso aceitar que essa é a personalidade dele… a lista vai longe.

não dá mais pra passar pano pra comportamentos deliberadamente babacas. errar, todo mundo erra; a gente faz merda de vez em quando mesmo e perdão é nobre e libertador. mas não é esse o caso. aqui, todas as pessoas dos exemplos acima sabiam o que estavam fazendo. e fizeram assim mesmo. porque fazem. porque não se importam com os outros, porque o egocentrismo é tão grande que não enxergam o outro como alguém que merece cuidado. e não falo aqui de paternalismo barato, mas sim de cuidado com o sentimento alheio. gente que só consegue pensar em si mesmo não enxerga um palmo adiante do nariz. atitudes revelam caráter.

a gente aceita o amor que acha que merece é uma frase de um livro que eu nem gostei muito mas eu uso, porque acredito nela. quanto mais a gente se valoriza e se vê como alguém que tem defeitos, como todo mundo, mas que entende o valor real das relações de afeto, e das relações em geral, a gente entende que não precisa dessas migalhas.

e se isso me faz a canceladora que pega ranço fácil demais, oh well.

uma mulher sozinha incomoda muita gente.
tipo aquela música que a gente que sofria bullying na escola ouvia bastante.
em uma sociedade machista e patriarcal construída na ideia de que o amor romântico é a base de uma vida feliz e completa, uma mulher sozinha só pode ser: frustrada, “muito difícil”, solitária e infeliz. ou secretamente apaixonada por um amigo homem. e também eternamente infeliz por esse amor não correspondido.
porque o homem é basicamente imprescindível pra sobrevivência desse ser frágil e incapaz. porque nossa, homens são mesmo irresistíveis. e fortes. e príncipes encantados que salvam indefesas princesas inúteis pra qualquer coisa que não seja cuidar dos mesmos.
uma mulher não pode dizer que não acha legal a dinâmica do amor romântico, ou mesmo não acreditar nele, ou construir relações significantes com pessoas de outro gênero que não sejam românticas. porque você sabe né, é assim que é: mulher não pode ter uma relação com um homem que não envolva um amor platônico. porque, de novo, homens são irresistíveis.
o mais engraçado de uma situação como essa é que o questionamento vem sempre de outros homens. engraçado do tipo lamentável, claro. porque o homem e seu grande privilégio no mundo acha que tudo bem questionar sobre os sentimentos de uma terceira pessoa que ele não conhece, não convive, não sabe quem é. esse grande ser elevado e evoluído que acha que tem direitos sobre o corpo dos outros, o desejo dos outros. direito de perguntar, querer saber, de invadir o espaço de alguém dessa forma.
uma mulher sozinha incomoda porque é livre. e uma mulher livre pode querer pegar quem ela quiser, desejar quem ela quiser, fazer o que (ou quem) ela quiser. e ninguém, mesmo, tem exatamente nada a ver com isso.

reflexões do lado de cá

a fauna e flora periféricas são algo que vem me fascinando.

aqui onde eu moro tem muitas árvores, dentro do condomínio e também nas imediações. aqui é tão fim do mundo que até árvore tem.

de qualquer forma, sou uma entusiasta das plantas de forma geral e sonho com o dia de poder ter uma hortinha e conquistar o meu manjericão fresco, já que o que se compra no mercado estraga rápido, entre outros temperos e coisinhas.

por aqui temos mangueira, limoeiro, e algumas outras árvores frutíferas que não reconheço. rosas, margaridas, borboletas e abelhas.

há alguns meses ao subir a rua que me leva pro ponto de ônibus, numa segunda-feira quente, me deparei com um sagui andando pelos fios elétricos, provavelmente perdido. tenho fotos e vídeo porque é óbvio que esse momento precisava ser registrado. outro dia ao olhar pela janela, me deparei com uma das visões mais magníficas da minha vida: um tucano. creio ter sido o mais perto que cheguei de uma ave assim tão grande, tirando as idas ao zoológico na infância quando a gente se importa mais em ver o leão etc, e fiquei alguns minutos observando aquele ser tão lindo e perfeito pousado numa árvore. ele não demorou muito e logo levantou voo, o que foi outra visão incrível. dessa vez as fotos não ficaram tão boas porque eu estava meio besta com a visão.

temos outros passarinhos também, uns que começam a cantar às 04h, e recentemente tivemos uma experiência com as maritacas.

que se enroscaram numa linha de pipa talvez, e ficaram presas no fio elétrico. a comoção no ponto de ônibus foi grande, assim me disseram, pois elas estavam presas e gritavam loucamente, e nisso as outras vieram ver o que acontecia e dizem que a gritaria foi geral. finalmente, elas caem no meio da rua e quase são atropeladas por um carro que desvia na última hora. minha irmã comovida com a situação, vai tentar ajudar e consegue, com uma tesoura que saca da bolsa, cortar a linha e soltá-las enquanto o ônibus vem e não pode perder, pede pro motorista esperar, todo um trabalho em equipe.

(as maritacas passam bem, de acordo com uma vizinha que está cuidando delas pois ficaram com a pata machucada).

fora os gatos sem dono que passeiam pelo condomínio, os morcegos que ficam voando entre as árvores à noite (também tenho uma história com eles), entre outros.

a vida à margem tem dessas. é ruim, cansativo, demorado. e de vez em quando aparece um tucano, uma maritaca ou um morcego pra dar mais emoção.