solidão

acho que já falei sobre esse assunto aqui.

mas já faz algum tempo, e desde então muita coisa aconteceu, inclusive 2020.

em um tempo em que o isolamento foi (e ainda é) praticamente a única forma de se proteger contra um vírus mortal (embora as pessoas escolham conscientemente ignorar isso), as minhas reflexões sobre solidão só se multiplicaram.

eu sinto que isso também é fruto de processos internos, de estar mais perto dos quarenta do que dos vinte, de acompanhar de perto o envelhecimento da minha mãe. mas parece que esse assunto tem vindo à tona com bastante frequência nas últimas semanas.

logo no começo de janeiro escolhi minhas leituras e incluí despretensiosamente um livro de cartas do Caio Fernando Abreu, e essa leitura me tomou de uma forma que terminei em dez dias as quase quinhentas páginas e terminei querendo mais. uma das coisas que me chamaram a atenção foi exatamente a percepção da solidão que perpassa todas as missivas enviadas por ele que foram resgatadas nessa obra; até mandei vários podcasts pro will contando sobre isso. como alguém com tantos amigos/conhecidos/colegas de profissão, envolvido em muitos trabalhos, principalmente a partir dos 20 anos quando muda pra São Paulo, falava tão abertamente sobre como se sentia só.

também assistimos a uma série norueguesa que, apesar do título, é bem boa: namorado de natal. e, aí o foco era na protagonista tentando encontrar alguém pra conseguir calar um pouco a família e amigos que, “por afeto e cuidado”, ficam no pé dela pra arranjar um namorado. sem muitas delongas sobre esse plot, em um dos últimos episódios os pais dela tem uma conversa sobre seu relacionamento e a conversa termina com a frase “não queria ficar sozinho”.

o medo da solidão é universal. mas o fato é que não há garantias. mesmo dentro do modelo patriarcal de família, seja ela heteronormativa ou não, com filhos ou não. e me incomoda demais o fato de que a estrutura de sociedade que nós temos só traz uma possibilidade de preenchimento dessa solidão por meio de relacionamentos e relações românticas, mas isso é outro texto.

eu sempre fui alguém que almejava preencher meus momentos solitários, que nunca gostou de fazer coisas sozinha. influenciada e bombardeada constantemente por esse desespero que as pessoas ao meu redor tinham de casar logo e o receio de “ficar sozinhas”, sofri muito por não fazer parte, mais uma vez, do padrão estabelecido. com o tempo, e com a presença de pessoas incríveis na minha vida, fui vendo que não é bem assim.

hoje eu penso que, como diz uma personagem da série, solidão não é estar solitária, e que a gente sofre muito menos e vive melhor quando entende que é uma condição inerente a nós, a solidão, e que não é uma coisa ruim ou algo a se temer. o processo de gostar da própria companhia e curtir as boas coisas da vida consigo mesmo também ajuda a entender que tá tudo bem.

cultivar as relações a partir desse lugar talvez possa nos ajudar a cair menos em ciladas por carência ou se acomodar em lugares que não estão legais só pelo medo de estar sozinhos. nesse ano em que não pude nem estar com muita gente, tampouco sozinha já que presa em casa, me fez valorizar mais a minha liberdade e os meus momentos de solidão, ao mesmo tempo em que tive tanta presença, apoio e carinho, mesmo que de longe, o que me fez também valorizar os momentos incríveis que temos quando pudermos estar juntos fisicamente. Amós Oz dizia que a nossa missão no mundo é não causar sofrimento, e é tudo o que eu desejo, não só pra aqueles que estão ao meu redor, mas principalmente pra mim mesma.

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