O ó

“É daí que brota tanta ignorância, já entendi as faltas de educação. E essa mania de gostar de violência, agora tudo apresenta explicação. (…) Quem não estuda, quem não lê, quem não procura, quem não corre atrás de se informar. É obrigado a acreditar no que lhe contam, e um cabra assim é um cabra fácil de enganar”.

Ano passado tive o privilégio de assistir “O Mágico di Ó”, um espetáculo musical muito bom que faz uma releitura da clássica história de Dorothy e seus sapatinhos vermelhos andando por um reino encantado atrás do mágico que poderá ajudá-la a voltar pra casa. Um dos paralelos feitos é o espantalho, que na versão brasileira virou um mamulengo, um boneco típico da cultura do Nordeste do país.

Assim como sua contraparte estrangeira, o mamulengo não tem cérebro, o que incomoda mais aos outros do que ao próprio, que se autodenomina o maior mamulengo da região, se acha muito esperto e acredita que todo mundo foi embora do sertão por medo dele. Daí que a protagonista, aqui denominada Doroteia, ao encontra-lo se incomoda a princípio com essas características, até descobrir que lhe falta um cérebro e que sua cabeça é preenchida por palha, e proferir os versos que abrem esse texto.

Em uma conversa que tive ontem com o Will, disse pra ele que desde 2018 o que mais me incomoda e revolta diante do resultado das eleições é um “como”. Como as pessoas compraram esse candidato? Gente que se considera tão inteligente, informada, caiu nessa narrativa vazia. Porque, apesar de discordar, consigo entender (com certo esforço) como alguém vota no PSDB, por exemplo.

Eles têm um plano de governo, prometem construir hospitais e creches, tem uma postura que passa uma certa confiança; não se analisa aqui, obviamente, a eficácia de seus projetos, ou melhor, a ineficácia deles. As pessoas se sentem bem votando neles, seja porque se veem representadas, no caso da classe média-alta, ou veem nessas figuras brancas com ternos caros e postura correta uma aspiração, uma meta.

Agora, qual o plano do você-sabe-quem? Qual o programa de governo? O cara não tinha nada. Só umas pautas vazias, moinhos de vento. Nada. Só violência, ódio, truculência.

Estamos sendo governados pelo próprio mamulengo. Com todo o respeito à cultura nordestina. E quem votou nele não tá muito atrás.

E aí que a gente já conhece a história e sabe que também não tem mágico, nem mágica, pra ajudar. E se na ficção o final é feliz, na vida real a gente tem que ser as nossas próprias Doroteias e sonhar com outros mundos possíveis, e fazer o possível para torna-los realidade.

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